segunda-feira, 28 de novembro de 2011

A avó da Marta!

Uma das recordações de infância que guardo é ter tido esta senhora a contar-me uma estória!

Ainda não me tinha apaixonado pelo teatro, ainda não sabia o que era representar: desconhecia essa arte de combinar palavras, pausas e gestos no tempo certo, com a intensidade de quem quer viver mais do que uma vida, vestindo várias peles em cima de um palco!


Naquela altura, a melhor parte do ano eram as férias de verão! Partia-se, com toda a tralha do mundo, para uma Vilamoura que não era a Vilamoura de hoje: era a Vilamoura da caruma e do cheiro a relva acabada de cortar; a Vilamoura das barrigadas de pinhões, a Vilamoura do barulho das bolas de golfe dos "atletas" mais desastrados a caírem, redondas, no jardim!

Era também a Vilamoura dos amiguinhos, vizinhos de brincadeiras!
Uma dessas amiguinhas era a Marta, que um dia, num daqueles fins-de-tarde pós-praia, que adiam a fome e o banho, me apresentou a sua avó! E eu vi logo que estava perante uma avó muito especial!

A avó da Marta tinha uma capacidade excepcional de se interessar pelas nossas conversas, brincadeiras e imaginações férteis!

E o olhar?!

Tinha um olhar profundo, hipnotizante, como que ritmando um discurso pausado, que eu na hora senti ser especial!


Acho que, de alguma forma, quando a Marta pediu à avó para contar uma estória, eu tive noção que aquele momento iria entrar para a história da minha vida. E, embora não me lembre o que ela contou, sei que se fez silêncio sepulcral, e que eu absorvi todos os gestos, pausas e palavras daquela feiticeira da narrativa.

O sol pôs-se de vez, dando protagonismo à estoriadora; e até a lua, surpreendida, apareceu para saber do que se estava a falar. Assim fiquei, deliciada, até que alguém chamou para o banho. Para meu desencanto, a magia desvaneceu-se, trocada pelas rotinas da vida de praia.
Ao voltar para casa, dou com a minha mãe debruçada no murete, também ela espantada com o cenário e a minha mais que provável cara de espanto.

-"Sabes quem é aquela senhora?"

-"Sei sim mãe, é a avó da Marta!"

-"Pois é, mas é também uma grande actriz: o nome dela é Eunice Muñoz!"

Anos depois vi-a no teatro; sempre a mesma perfeição, a capacidade de nos plantar emoções com as suas pausas, os olhares pontuando as frases, as frases carregadas de sentido e intenção... e sempre, mas sempre que a vi, relembrei a Eunice intimista: a avó dedicada, a bondade evidente, o figurino iluminado pelo luar!

Há uns dias, Eunice foi condecorada. Já merecia, há muito, o gesto, mas nunca é tarde para se reconhecer que Portugal tem muita sorte em ter uma mulher assim, que se esmera na arte, e lhe dá voz e alma.

E que sorte a minha, ter presenciado este momento!

Obrigada!