ontem conheci a Fátima... andei atrás dela enquanto trabalhava... trabalho chato, àrduo e muito mal-cheiroso...
mesmo assim a Fátima era a alegre dona de uns fabulosos e gigantes cabelos castanhos... que esvoaçavam quando ela subia para a camioneta do lixo...
a Fátima impressionou-me... foi a primeira mulher-almeida (lixeira para os brasileiros) que eu vi na vida...
penso nos comentários que ouviu quando decidiu não desistir, agarrar a oportunidade... nem sequer imagino a causa que a levou a tomar a vida nas mãos, a trazê-la para a rua e a atracá-la a uma camioneta do lixo... deve ter sido algo muito forte... até porque a Fátima tinha no rosto os vincos de uma vida atribulada...
a cada caixote o mesmo rigor feminino... abre a tampa, certifica-se que não há restos, se houver, repete-se o processo... tudo mecânico, repetido vezes sem conta, noite fora, noites a fio...
faz sempre questão de também ter o trabalho pesado... puxa caixote, atira saco, apanha plásticos do chão... não se queixa, não se aproveita para deixar a parte chata com os colegas... aí vai ela, jovem, cheia de força... e alegre!
apesar de vivido, o rosto da Fátima tinha alegria - e sim, beleza... não passava despercebida a quem a seguia na rua estreita, sem hipótese de fugir do cortejo...
a cada pulo na camioneta um sorriso, a cada pausa a preocupação com o cabelo, a cada minuto uma piada! eu acho que a Fátima deve ter passado por muito... e agora está contente com aquilo que tem... Mesmo que "aquilo" seja trabalho horrível, a Fátima tem a leveza das pessoas dignas! a força e a coragem de um leão!
Não tive coragem de dizer nada... mas aqui fica a minha homenagem aos homens e mulheres que aceitam pagar o preço da dignidade com a alegria estampada no rosto!